sexta-feira, 2 de abril de 2010

Ele dança descaradamente e eu sou tão feliz. Não poderia amar esse homem, não, não é o tipo de homem que eu amaria. Mas sou feliz nessa uma semana, ou duas, não sabemos ainda. Porque ele é tão feliz, tão mais feliz do que eu jamais fui. Ele realmente curte bobeiras na televisão, coisa de quem não fica na varanda querendo se jogar, acho eu dentro de alguma lógica maluca da minha cabeça. E fica feliz se tem a lasanha preferida dele no restaurante. Feliz por causa de uma lasanha! Faz aquela cara de "delicinha que é viver". E tem bochechas vermelinhas e não fede pó na nuca como as pessoas gastas pelo tempo ou azedo no peito como as pessoas desgastadas pelo pó. Ou qualquer coisa por aí. Ele só se sente bem em estar vivo. Isso. Ele corre no parque, toma banho, veste a cueca cantando, coloca uma meia branquinha e vem me ver. Pede a lasanha, me beija perto da orelha. E ele se sente muito bem com a vida e com o corpo e comigo. E por isso, ando feliz que só nessas semanas. Mas com certeza eu não poderia amar esse homem. Eu nem mesmo, pra falar a verdade, o admiro. Não, admirar eu admiro, porque tô aqui de boca aberta olhando pra ele e curtindo estar nessa vida de amaciante e pão quentinho. Mas eu só amo, e aí sim é a certeza de sentir algo maior e com futuro (e passado), a certeza de poder viver ao lado dele, essa história que nem é minha ou pra mim, e depois voltar pra casa e encontrar meu senhor, meu marido, meu único amor da vida inteira. Ele me espera, faz meu banho, me cobre, me devora o tempo todo, dorme encaixado em mim. E sabe que esse garoto é só mais o garoto ou homem ou moleque ou velho da semana ou do mês. Eles não passam disso. E me perdoa. E diz que é assim mesmo, para eu viver por aí mas depois voltar pra casa, pra ele, pro homem que me deu tudo o que eu tenho, que me ama como eu sou, e que sabe, dentro da sua segurança de duzentos mil infinitos anos, que jamais será trocado. Ele pede a lasanha e come fazendo gemidinhos de programas vespertinos de culinária. E esfrega as mãos nas minhas costas, sabendo que eu preciso mesmo ser acesa o tempo todo, pra não sucumbir a essas coisas gélidas que me atravessam. E ri, o tempo todo, ele ri, como é feliz! E eu embarco em mais um trem (às vezes fantasma, dessa vez da alegria) mesmo odiando viajar. Eu vou porque é preciso ter histórias, viver coisas, sair de casa, mas nunca vou realmente. Sempre me sinto ocupando de favor o lugar da personagem real que está doente ou enlouqueceu. Assim que coloco o pé pra fora, viro uma substituta de qualquer um que sabe viver. Uma coadjuvante de mim que rouba a cena porque os engracados sempre roubam. Experimento pessoas como experimento comida baiana, "tá, deixa eu ver que gosto tem, mas não muito pra não morrer aqui, longe de casa, debaixo desse sol e dessa alegria". Assim que chego em casa e abraço meu único e verdadeiro marido, meu silêncio, sou eu mesma e nada pode dar errado ou acabar. Ele ri mais um pouco, segura firme na minha mão, eu quero contar, ele merece saber, eu estou amando e super feliz de brincar de amar e ser feliz, mas olha, querido, daqui a pouco eu volto pra ele. O silêncio. Eu sempre volto pro silêncio. Mas agora acelera aí, apita, solta fumaça, sei lá como é andar de trem, mas sempre ando. Vamos ver até onde eu aguento dessa vez.
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Tatiane Bernardi

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