quinta-feira, 3 de junho de 2010

Sim, Alice, abra as portas trancadas.
E não tenha medo de entrar por elas: ter medo é sofrer por antecipação.
Ponha o chapéu certo para cada ocasião e siga em frente. Não se
preocupe se ele não combinar com suas roupas: o importante é proteger a
cabeça. Às vezes, você vai sentir que caiu no chão e o estrondo pode
ser bem grande. Além disso, dependendo do tamanho que você tenha, a
queda pode machucar muito. Acredite, é uma sensação pior do que
encolher... Quando isso acontecer (é inevitável que aconteça um dia),
respire bem fundo e nunca, jamais, culpe a vida. A culpa é do mundo,
que gira sempre mais e mais rápido, e pode nos causar tonturas e
vertigens. Não existe fórmula mágica que evite isso. É só se levantar e
recomeçar o caminho de onde estiver.
Deixar-se guiar pelo medo é usufruir apenas do azul num espectro multicor: é tentar achar o caminho
olhando para o céu-sem-nuvens-do-sertão, ao meio-dia. Você vai queimar
o nariz e ainda estará perdida. Se o medo aparecer, coloque-o no bolso,
e siga em frente. De vez em quando olhe-o, como a um relógio, mas em
seguida guarde-o de novo. Fora do bolso, o medo tende a crescer e
engolir quem o segura. O bolso, Alice, o bolso é o lugar dele, não se
esqueça.E não ache que uma pessoa é só
aquilo que mostra ser neste instante, lembre-se: por baixo da tinta,
algumas rosas vermelhas são brancas. É só o tempo passar e isso se
torna visível. Até com você, Alice. Até comigo. Há quem ordene
decapitações por todos os lados, é gente que não sabe para que servem
os chapéus. Não se preocupe em excesso com essas pessoas, elas também
jogam jogos cheios de regras. Basta que uma regrinha pequena mude e
perdem a cabeça, você não precisará cortá-las (sim, Alice, porque as
regras estão sempre mudando).
Não tenha medo de falar o que
sente: palavras guardadas se liquefazem e, quando você menos esperar,
estará se afogando nas suas lágrimas. Quando amar alguém, diga-lhe
isso. Vou contar uma coisa: existe a chance de, depois de confessar
amor, vir a vertigem e a temível queda. Se acontecer, tome chá: faz bem
à saúde. Não gosta de chá? Tome café, então. Ou chocolate quente. O
importante é ter uma xícara e alguém que acompanhe você: nem podemos
imaginar as conversas que duas pessoas podem ter em frente às suas
xícaras. E quantos anos a mais de vida terão por isso.
Anotou tudo? Não se preocupe, o
que eu disse não fará sentido algum se você não for capaz de traduzi-lo
para sua língua interna. Nunca ouviu falar nisso? Ah, você ainda tem
muito o que aprender... Numa sociedade, só se fala a língua nacional em
eventos sociais. Mas cada um tem sua língua própria e se expressa nela
de si para si.É um idioma muito pessoal, que nos
faz compreender as coisas, tirar conclusões, apreender os sentidos
ocultos das cores e dos sons. É uma língua sem palavras, como música de
violinos. Alguns nunca se apercebem dessa verdade e deixam de saber as
respostas a muitas perguntas ... Outros passam a vida tentando fazer
traduções da língua interna para a língua materna... E escrevem poemas,
contos, romances. São uns loucos, Alice, de uma loucura adorável.
E não ligue se as coisas não
fizerem sentido: a vida pode acontecer em recortes... Agora não sabemos
como juntá-los, mas um dia saberemos. Por isso, Alice, não jogue os
retalhos fora, viver é uni-los, um a um." -Conselhos de um Chapeleiro Maluco-

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